Em duas décadas de poder, o imperador mongol Gengis Khan (1162-1227) conquistou um território de 33 milhões de quilômetros quadrados – quatro vezes o tamanho do Brasil – e sua campanha de expansão teria matado pelo menos 4 milhões de pessoas. Passados oito séculos de tamanha barbárie, por ora a humanidade se vê livre de líderes megalomaníacos com forças suficientes para subjugar povos inteiros. No entanto, uma doença respiratória bastante comum e que já impôs seu domínio aos seis continentes continua causando os mesmos 4 milhões de mortes. Com um detalhe sórdido: essa taxa se repete ano após ano. Falamos da pneumonia, uma infecção nos pulmões provocada por bactérias, vírus, fungos ou protozoários – e que recentemente acometeu a atriz Eva Todor.
No Brasil, são 70 mil óbitos anuais, o que faz da enfermidade a campeã de internações em hospitais e a terceira que mais mata (só fica atrás de infarto e AVC). O principal vilão por trás dela é a bactéria Streptococcus pneumoniae, ou pneumococo, responsável por três em cada dez casos.
“Por alguma falha no sistema de defesa, o micro-organismo consegue invadir e se instalar nas vias respiratórias inferiores, onde encontra uma região favorável para se reproduzir e deflagrar uma inflamação”, descreve Carlos Carvalho, professor titular de pneumologia da Universidade de São Paulo. O quadro, que é detectado por meio de uma radiografia do tórax, costuma gerar tosse, febre, catarro e dor no peito.
Para saber como a pneumonia prejudica a qualidade de vida dos pacientes, o laboratório Pfizer encomendou um levantamento ao Instituto Global Market Research. Eles entrevistaram 600 brasileiros que já sofreram com o ataque nos pulmões. De acordo com os resultados, 59% dos participantes alegam um forte impacto emocional e social ao longo do tratamento.
“Muitos relatam que ela atrapalhou relacionamentos e os impediu de marcar presença em reuniões familiares”, revela Eurico Correia, diretor médico da companhia farmacêutica no país. Cerca de 65% precisaram se ausentar do trabalho e 80% tiveram gastos extras na farmácia.
A pesquisa ainda mostrou que o nível de conhecimento sobre a doença é baixo. Quando questionados sobre medidas de prevenção, vários disseram que poderiam ter evitado a friagem ou parado de fumar, mas nenhum citou a vacina como uma forma de se proteger. Aliás, só um quinto sabia da existência de um imunizante para os quadros pulmonares causados pelo pneumococo.
A falta de informação motivou a Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT) e a Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) a lançar a campanha “Pneumonia Pneumocócica Tem Vacina“, que conta com um site focado na divulgação do tema. “Também vamos percorrer parques e shoppings de diversas cidades para disseminar o assunto”, diz o pneumologista Fernando Luiz Lundgren, presidente eleito da SBPT.
A vacina para pneumonia não só existe como está disponível no Brasil em três versões: a 10, a 13 e a 23-valente (os numerais se referem à quantidade de subtipos de bactérias aos quais elas oferecem resguardo). A primeira delas faz parte do Calendário Básico de Vacinação do Ministério da Saúde desde 2010 e é obrigatória a todas as crianças menores de 5 anos. As outras duas integram as recomendações da SBIm para adultos.
“Elas estão indicadas para quem tem mais de 50 anos e possui doenças crônicas, além de todos que já ultrapassaram os 60”, diz o infectologista Renato Kfouri, vice-presidente da entidade. O esquema envolve tomar uma dose da 13-valente e, seis meses depois, outra da 23-valente. Daí, é preciso realizar um reforço da 23 após cinco anos. Infelizmente, ainda elas só são obtidas na rede privada.
A implementação do imunizante no programa infantil modificou completamente o perfil da pneumonia no nosso país. Em 2009, 39% dos casos de internação pela infecção pulmonar eram de crianças menores de 4 anos, enquanto os adultos com cinco décadas de vida representavam 30,7% do total. Já em 2015, esse número se inverteu: 45,7% das hospitalizações ocorrem nos mais velhos, ante 32,5% nos pequenos. “Isso só demonstra que, mesmo num período curto, a vacina se mostrou efetiva e alterou a proporção de pacientes por faixa etária”, analisa Correia.
Com essa mudança nas estatísticas, os idosos passaram a ser o grupo que gera maior preocupação quando o assunto é pneumonia. A condição é mais custosa e difícil de tratar neles. Para piorar, os próprios números atestam que a vacina permanece uma ilustre desconhecida por aqui. “Após os 60, dificuldades para se alimentar e deglutir os alimentos são habituais, o que eleva o risco de ter a enfermidade”, observa a médica Claudia Figueiredo Mello, da Sociedade Brasileira de Infectologia.
Outros que merecem atenção especial são os portadores de males crônicos, como aqueles com aids, doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), problemas cardíacos ou reumatológicos. Essa turma costuma apresentar um sistema de defesa mais frágil, que não combate a contento as tentativas de invasão do pneumococo e companhia. “Tabagistas também são propensos a desenvolver a condição, uma vez que o cigarro lesa a barreira inicial de proteção dos pulmões contra as bactérias”, lembra Claudia.
Não se esqueça de levar a blusa, hein!?
Embora a pneumonia seja mais frequente em idosos, não dá pra se descuidar em outras fases da vida. Como precaução, é preciso adotar uma dieta saudável, praticar exercícios, lavar as mãos, evitar ambientes secos no inverno… A friagem, aliás, é um tópico controverso. “No frio, o organismo gasta muita energia para aquecer o ar que chega aos pulmões, o que pode comprometer a imunidade e facilitar o aparecimento de problemas respiratórios”, explica Carvalho. Mas isso não significa que a temperatura gelada é a principal autora do atentado à saúde pulmonar: ela apenas nos deixa vulneráveis. “Se isso fosse verdade, os esquimós já teriam morrido há tempos”, brinca o especialista.
É preciso se cuidar também diante da gripe, que atua como um abre-alas para a pneumonia. “O vírus influenza faz as células de defesa ficarem ocupadas e torna as cavidades dos pulmões mais propícias à acomodação das bactérias”, conta o pneumologista Marcelo Basso, do Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre. Nesse sentido, tomar a vacina contra a gripe ajuda – apesar de a proteção total só vir mesmo com os imunizantes antipneumococo. De fato, todo reforço é desejável para barrar a ameaça. Afinal, nem grandes imperadores estão livres dela: por ironia do destino, o próprio Gengis Khan teria morrido de pneumonia, aos 65 anos.
Ela está por trás
Conheça em detalhes a principal bactéria causadora da pneumonia
Nome: Streptococcus pneumoniae, ou pneumococo.
Onde vive: geralmente na região da nossa boca e garganta.
Como leva à pneumonia: costuma aproveitar baixas no sistema imunológico (como diante de uma gripe, por exemplo) para descer e se instalar nos pulmões.
Provoca outras doenças: sim. A mesma bactéria pode originar diferentes problemas, como otite, meningite, sinusite e endocardite.
ABC das encrencas
Apesar de serem parecidas, há diferenças entre três doenças respiratórias comuns
PNEUMONIA PNEUMOCÓCICA
Causador – Streptococcus pneumoniae, entre outros
Sintomas – Febre superior a 38 oC, tosse com catarro purulento, falta de ar e dores no peito.
Prevenção – Tomar as vacinas 13 e 23-valente, trocar o filtro do ar-condicionado e ter uma vida saudável.
Tratamento – Antibióticos dão conta do recado. Sujeitos com risco de complicações são hospitalizados.
GRIPE
Causador – Vírus influenza A, B ou C
Sintomas – Febre, cansaço, desconforto muscular, dor de garganta e na cabeça.
Prevenção – Realizar a vacinação anual, lavar as mãos com frequência e evitar aglomerações.
Tratamento – Medicamentos atuam no sentido de aliviar as manifestações típicas da doença.
RESFRIADO
Causador – Mais de 200 tipos de vírus, como o rinovírus
Sintomas – Nariz entupido, coriza, febre baixa (ou ausente), tosse e dor de garganta leve.
Prevenção – Não levar as mãos aos olhos ou à boca e higienizá-las sempre que possível.
Tratamento – Remédios analgésicos e antitérmicos combatem os principais sintomas.